26 de mar. de 2023

Homem Lento - J. M. Coetzee

Título: Homem Lento
Autor: J. M. Coetzee
Ano: 2005
País: Austrália

 Olá, como estão? Espero que bem. Por aqui, a residência está me sugando e a literatura está sendo minha terapia. A luta extra é ter a coragem de atualizar a humilde biblioteca, mas isto é um detalhe. Estamos aqui e teremos mais um texto. Partiu!

  O livro de hoje fez parte da minha primeira exploração no Rio de Janeiro. Durante o horário de almoço, no primeiro dia de residência, decidi andar pelo centro da cidade e descobri que ali perto havia um sebo. Era um local bem simples e mais focados em livros escolares/universitários. Quando eu já estava de saída, percebi um livro com um "Coetzee" escrito bem grande e acabei pegando. Homem lento é um texto que eu não conhecia e acabei levando pela ótima leitura que tive com Desonra, outro livro do autor e, bem, é esta a pequena história de hoje. Sigamos com o homem lento.

Um Pouco da História

Em Homem lento temos a história de Paul Rayment, um emigrante francês na Austrália em sua sétima década de vida e que leva uma vida pacata, reservada e independente. Toda a existência do protagonista muda após sofrer um acidente enquanto andava de bicicleta em uma via pública. Ao ser atingido por um carro, acaba sendo internado em estado grave e, ainda desorientado, permite a realização da amputação de parte de uma perna. Ao acordar do procedimento cirúrgico, é informado de que a perna poderia ter sido salva, mas seria muito trabalhosa e arriscada a recuperação para alguém na idade de Paul, tendo sido decidida a amputação, seguida de reabilitação objetivando o uso de prótese. Diante de tal conversa, o protagonista surpreende a equipe do hospital ao afirmar que não deseja o uso de nenhum membro artificial, recebendo, assim, alta e acordando, contra sua vontade, o acompanhamento com uma enfermeira dentro de seu domicílio. 

Ao voltar para casa, Paul percebe que a vida não será tão tranquila quanto ele imaginava. O acordo que aceitou em contratar os serviços de uma enfermeira foi, num primeiro momento, feito só para conseguir sua alta, mas, ao ter grandes dificuldades em realizar atividades básicas, percebeu que seria uma necessidade. Contudo, o homem que sempre fez questão de ser independente, não conseguiu aceitar a enfermeira enviada, uma mulher que o tratava como um bebê e destruía o orgulho que residia dentro dele. Sendo exigindo, prontamente, pelo senhor Rayment, a troca de funcionária. 

Com o pedido de troca, conhecemos Marijana Jokic, a nova enfermeira parece ser o ideal para aquele reservado senhor em recuperação. Ela não o infantiliza, entende a necessidade de espaço do cliente, sabe como cuidar de regiões amputadas e age com cuidado. Com o tempo, Paul percebe que começa a criar sentimentos mais intensos por sua enfermeira e decide, aos poucos, conhecer mais dela, descobrindo, assim, que a mesma veio da Croácia junto ao marido e três filhos. Numa tentativa de se tornar mais próximo de Marijana, Paul tenta realizar pequenos favores, como orientar Drago Jokic, o filho mais velho do casal, e aprender sobre a terra de origem daquela amada.

No meio de toda essa mudança na vida de Paul, surge Elizabeth Costello, uma senhora misteriosa que causa uma certa irritação no protagonista por apontar constantemente para o seu comportamento problemático e os transtornos que pode estar causando por tentar adentrar no coração de Marijana e mexer no funcionamento da família Jokic.  Fazendo um adendo a sobre a Elizabeth Costello, ela é a protagonista de outro romance do autor, com título homônimo. A personagem tem um conhecimento onisciente dentro do universo da obra e deixa subentendido que está acompanhando Paul para que o mesmo sirva como inspiração ao seu próximo livro. Tal ponto é importante e pode passar batido pelo leitor, já que não é claro esse mecanismo de metaficção utilizado pelo Coetzee. 

Com o progredir da história, Paul faz a proposta de pagar os estudos de Drago. Diante de tal declaração, ocorre uma série de conflitos dentro da família Jokic que fazem com que sejam questionadas as intenções por trás do pedido e aproxima o protagonista do Drago. Nesse momento, novos sentimentos surgem e o homem lento passa a se questionar se tudo o que viveu até então foi válido ou se algo do passado dele poderia ser diferente. 

Minha Humilde Crítica

Homem Lento é um livro que possui a escrita clássica do Coetzee, com um protagonista que em diferentes momentos causa raiva, pena e indignação. Falando um pouco mais de Paul Rayment, o personagem levanta diferentes pontos ao longo do romance. Num primeiro momento, o processo de envelhecimento é algo bastante marcante e a necessidade de reaprender a viver e reconhecer o seu espaço dentro da sociedade é vivido intensamente no livro. Pessoalmente, gosto bastante dos homens escritos por Coetzee e o mesmo aborda de forma única alguns pontos importantes do universo masculino, como a desejo de manter sua linhagem, o valor dentro da sociedade e o desejo de deixar um herdeiro ou no mundo, necessidade essa trabalhada na relação entre Paul e Drago. 

 Elizabeth Costello é uma figura que enriquece a história. Uma senhora com um teor de mistério que vem de outra obra do Coetzee para escrever um livro inspirado no atual protagonista de uma obra também do Coetzee. O inexplicável poder dela de ter um controle e conhecimento dos acontecimentos dentro da história, sendo uma personagem/autora onisciente, faz com que ocorram vários eventos que tornam tudo mais imprevisível.

A família Jokic acaba entrando como uma realidade paralela do próprio protagonista. O que teria acontecido caso ele tivesse se casado com "a mulher ideal"? O que teria acontecido caso tivesse tido filhos? Ao longo do livro, Paul tenta, de certa forma, adentrar naquela família e se colocar como um apêndice dela, numa tentativa de viver algo que achou por toda vida que não precisava. Aqui que percebo importantes temas dentro do universo masculino sendo tocados, algo que acho bastante interessante, já que muitas vezes homens são escritos de forma estereotipada e com o apagamento de suas fragilidades e necessidades. 

Chegando ao fim, pensei em escrever um texto mais rápido hoje. Acabei não tocando em alguns pontos bem interessantes do livro, como a questão da Austrália e seus emigrantes, mas é que estou sem tempo. Curto bastante a produção do Coetzee e essa é uma obra que vale a leitura. Acredito que teria curtido um pouco mais a história caso tivesse livro o livro Elizabeth Costello antes, mas… é a vida.

 Indico! 4 estrelinhas★★★★☆.

Trechos 

"Aqueles de cuja vida se nasce não morrem.{...} Você leva esses com Você, assim como espera ser levado por aqueles que vêm depois de você." 

"[...] Mas ser amado tem um preço, a menos que a gente seja inteiramente sem consciência." 

"Desculpe ser tão complicado, mas é assim que nós, seres humanos somos, complicados, cada um à sua maneira única." 

"Será que a relação com o belo nos eleva, nos torna pessoas melhores, ou será abraçando os doentes, os mutilados, os repulsivos que melhoramos a nós mesmos?" 

"Cuidado não é amor. Cuidado é um serviço que qualquer enfermeira que valha o que ganha pode fornecer, contanto que você não peça mais." 

"Não subestime o desejo em cada um de nós, o desejo humano, de estender uma asa protetora." 

"Nós todos gostaríamos de ser mais simples [...] Principalmente quando vamos chegando perto do fim. Mas somos criaturas complicadas, nós, seres humanos. É a nossa natureza." 

"O olhar amoroso não se ilude. O amor vê o que é melhor no amado, mesmo quando o melhor no amado acha difícil emergir para a luz." 

"Tudo no mundo um dia foi novo." 

"Nós temos filhos para aprender a amar e servir. Por meio dos nossos filhos, nós nos tornamos servos do tempo." 

"O amor não precisa ser recíproco, contanto que haja amor suficiente no quarto. [...] Se você ama muito profundamente, não precisa ser amado de volta." 

"Nossas mentiras revelam tanto de nós quanto nossas verdades." 

"Como é que a gente chama quando alguém conhece o pior de nós, o pior e mais danoso, e não diz nada, ao contrário, suprime tudo e continua a sorrir para nós e a fazer piadinhas? Chamamos de afeto."


 


11 de mar. de 2023

O Amante - Marguerite Duras

Título: O Amante
Autora: Marguerite Duras
Ano: 1984
País: França

Olá! Tudo bem? Espero que sim. Por aqui, estou bastante ansioso. Amanhã é o meu primeiro dia de trabalho no Rio de Janeiro e estou pensando sobre as inúmeras possibilidades que podem ocorrer durante esse período. Mesmo com toda ansiedade, só me resta a paciência… e os livros! Vamos lá! 

Iremos falar hoje sobre um livrinho que encontrei perdido no sebo da minha saudosa Caruaru. O título direto, a capa simples e o tamanho me chamaram a atenção. Acabei adquirindo sem saber qual era a história e ele acabou ficando um bom tempo na estante, até que, durante a mudança para o Rio, resolvi deixá-lo ao meu lado para poder ler durante o voo. Hoje iremos falar sobre O amante, da Marguerite Duras. 

Antes de começar a falar da história, é importante entender um detalhe importante do livro: a obra é um romance autobiográfico. A narrativa ganha um peso bem maior ao se compreender que a autora viveu realmente aquilo, além de que o conhecimento da história da Marguerite ajuda a entender algumas nuances da obra. Falo mais da autora no link.

Sobre a história, a protagonista não possui um nome e este não é necessário, já que a obra possui um teor intimista e onírico. Nos seus 15 anos, uma moça moradora na Indochina francesa, junto a sua família, apresenta um comportamento introspectivo, solitário e melancólico, sendo boa parte disto devido a sua relação familiar. A mãe, ao longo dos anos, afundou-se numa tristeza por conta de uma série de negócios malsucedidos que tentou empreender na região após a morte do marido, o irmão mais velho é problemático, envolvendo-se em uma série de pequenos crimes e age de forma desrespeitosa com os demais membros da família, mas possui tais comportamentos abafados pela mãe, por ser o filho preferido, o irmão mais novo que seria o laço de afeto da protagonista, mas que morre jovem. 

Seguindo a rotina, a adolescente, ao andar normalmente em direção a Saigon, é notada por um rico filho de comerciantes chineses que possui quase o dobro de sua idade. Ao abordá-la, a jovem francesa não apresenta nenhuma resistência e aceita dar uma volta de limousine pela cidade e acaba, após alguns encontros, tornando-se a amante do abastado herdeiro. 


Com o desenrolar da história, entramos em contato com os pensamentos da jovem garota. Como toda a dinâmica e conflitos familiares, sociais e econômicos acabam impactando na forma com a adolescente se enxerga, um ser pouco atraente, incapaz de exteriorizar feminilidade e ser alvo de afetos. Sendo diante deste universo melancólico que ela adentra no relacionamento com seu amante e troca experiências sobre suas vivências e perspectivas. 

Aqui é importante fazer um recorte de que o título do livro carrega um significado maior do que o uso clássico de amante. Ambos não possuem relacionamentos oficiais e não vivem um amor às escondidas. Porém, possuem impeditivos para sua relação. A protagonista é francesa e faz parte de uma família que vê com maus olhos o relacionamento com um homem asiático, além de saber que um relacionamento com uma diferença de idade tão grande pode ser vista com maus olhos. Já do lado do amante chinês, temos um homem que se recusa a compactuar com um casamento arranjado pelo pai, em que este não aceita a pobre francesa devido a sua condição socioeconômica e origem. 

Mesmo tão jovem, a garota consegue ver de forma bastante centrada toda a situação em que se encontra e parece ter noção de qual o único desfecho possível para o relacionamento que se encontra. O final do livro é reflexivo e carrega consigo uma memória triste e intensa. 

Crítica

O Amante vale bastante a leitura. É uma obra curta, mas não deixe que o tamanho o engane, o texto é intenso, profundo e desafiador. O fluxo de pensamento da protagonista, somado a melancolia e consciência do contexto em que se encontra, permite que o leitor adentre naquela realidade do sudeste asiático. Indico a leitura. 

Não esquecendo, como curiosidade, o livro foi adaptado para o cinema em 1992. 

Nota 4 ★★★★☆


5 de mar. de 2023

O Inimigo Secreto - Agatha Christie

O Inimigo Secreto
Autora: Agatha Christie
Ano: 1922
Gênero: Romance Policial

Olá! Como vão? Espero que esteja tudo bem. Por aqui, estou me adaptando com a minha nova realidade, o Rio de Janeiro. Não tenho muito o que falar sobre essa minha primeira semana na cidade maravilhosa... Conheci pessoas legais, aprendi a utilizar parte da rede de transporte público, vi parte bonitas e não tão bonitas da cidade, fui vítima de uma tentativa de assalto e estou aqui no blog, bem e escrevendo. Estou me organizando para encaixar um tempo certo para ler e escrever, mas é meio difícil, a vida tá bem corrida, mas tudo bem, tá tudo se ajeitando. Vamos lá? Sem mais ladainha. 

Continuando pela jornada através do mundo da Agatha Christie, hoje teremos mais um livro dela! Dessa vez, uma de suas primeiras obras: O Inimigo Secreto. Confesso que a leitura foi meio árdua e demorei alguns anos para concluir a obra. Ao longo de, aproximadamente, 5 anos, comecei e parei a leitura umas três vezes, mas agora, no meio do caos da mudança, tomei vergonha e decidi que iria concluir a história. Não que o livro seja ruim, longe disso, mas tive uma certa dificuldade para engatar no texto.

Falando do livro em si, O Inimigo Secreto é a primeira obra a trazer o casal Tommy e Tuppence como protagonistas. 

A obra se passa num período entre o fim da Primeira Guerra Mundial e o início do entre guerras, lá no Reino Unido. 

Em 1915, em alto-mar, o navio RMS Lusitânia é atingido por torpedos alemães. Diante do caos para o resgate, um agente da inteligência britânica, prevendo sua morte, escolhe uma pessoa para repassar alguns documentos confidenciais que carregava. Ao notar uma bela jovem e julgá-la como possivelmente confiável, a delega da missão de se salvar (aproveitando a regra de mulheres e crianças primeiro) e levar em segurança o documento secreto que pode mudar os rumos da guerra. 

Alguns anos depois, em 1919, já no pós-guerra, somos apresentados aos protagonistas: Tommy e Tuppence. Os dois jovens são amigos de infância e se encontram na mesma delicada situação financeira no período de pós-guerra. Diante da frustração da falta de recursos e oportunidades, chegam a um plano: a criação da Jovens Aventureiros Ltda. Nesta sociedade, os dois aceitam realizar qualquer tipo trabalho, desde que pago o seu devido valor. Durante essa mesma reunião dos amigos, Tommy fala sobre uma interessante conversa que ouviu sobre uma mulher chamada Jane Finn. Após o fim do encontro, os dois amigos se separam.  

Tommy e Tuppence
(Série de TV, 1983)

Durante a volta para casa, Tuppence é parada por um homem, este se apresenta como Mr. Whittington. O misterioso senhor revela ter ouvido a conversa do casal no restaurante e se mostra interessado nos trabalhos sem escrúpulos da dupla, acabando por marcar um encontro para debater melhor os detalhes. Certo tempo depois, na reunião, Mr. Tuppence oferece uma grande quantia de dinheiro para a protagonista em troca de um trabalho estranhamente simples, passar alguns meses de férias na frança. Ao adentrar na proposta, perceber que não sabe o nome da mulher com que fala e a questiona a respeito. Tuppence, com medo de ter sua identidade revelada, acaba respondendo com o primeiro nome que vem a sua frente: Jane Finn. Tal resposta causa um estranho medo no Mr. Whittington, passando a ter um comportamento agressivo. Durante a discussão, os dois são interrompidos por Mr. Brown, que deseja entregar um documento. Ao fim, Tuppence recebe uma significava quantidade de dinheiro, sendo dispensada. 

Sem entender muito bem tudo o que aconteceu, Tuppence decide entrar em contato com seu companheiro de aventuras para contar o que se passou. Diante dos fatos, a dupla decide publicar no jornal uma chamada em busca de informações sobre Jane Finn, a fim de descobrir o porquê desse nome ter causado tanto espanto no Mr. Whittington. A mensagem no jornal logo recebe duas respostas. A primeira é do Mr. Carter, este explica que Jane Finn é uma jovem mulher sobrevivente do naufrágio do navio Lusitânia e que, supostamente, carrega consigo documentos secretos que falam sobre acordos do governo britânico durante a guerra, representando hoje um grande perigo para o país, caso sejam expostos. Por meio do Mr. Carter, os aventureiros também descobrem que há um plano para capturar Jane Finn e obter os documentos, todo esse esquema é encabeçado por alguém que Tuppence chegou acontecer: Mr. Brown.


A segunda carta recebida é assinada por um homem chamado Julius Hersheimmer, um jovem estadunidense que se intitula primo da Jane Finn. Este conta que não tinha contato com a prima devido a problemas familiares de gerações passadas, onde a família se dividiu e cortou relações, hoje, após a morte do pai e ao descobri que essa parte desconhecida da família passava por necessidades, decidiu encontrar Jane para prestar suporte. 

E nisso temos a base do romance policial O Inimigo secreto. Ao longo da história, os protagonistas precisam se dividir para procurar pistas, envolvem-se em jogos de mentiras, trapaças, violência e conspirações. Além disso, por mais que descubram e avancem no mistério de onde se encontra  Jane Finn e quais são os planos envolvendo os documentos, Mr. Brown sempre parece estar um passo à frente, sumindo sem deixar pistas, silenciando quem ousa traí-lo e impondo medo por onde passa. 

Crítica

O Inimigo Secreto é um livro bastante interessante da Agatha Christie. Tommy e Tuppence oferecem um ar diferente do costumas na obra da autora e é bastante interessante ver o desenvolvimento da relação entre os dois. O mistério entorno de Jane Finn e do Mr. Brown é muito bem feito e causa uma apreensão sobre o que acontecerá em seguida. Até o fim o romance conta com sucessivas reviravoltas.

Mesmo tendo dito no começo do texto que foi um livro que demorei para engatar na leitura, assumo que a culpa foi minha. Achei o livro bastante gostoso de ler. Coloco entre os meus preferidos da Agatha.

Nota 4 ★★★★☆.