17 de set. de 2023

[Releituras] São Bernardo - Graciliano Ramos

Título: São Bernardo
Autor: Graciliano Ramos
Ano: 1934
País: Brasil

Olá! Como vão? Espero que esteja tudo bem. A leitura de hoje é especial. Especial por ser uma releitura. Pensando nessa questão de reler livros, pensei em qual eu poderia começar. Muitos livros acabaram surgindo em minha mente, mas pensei em escolher uma obra que já tivesse um bom tempo que li, que tivesse sido uma leitura agradável e que eu não lembrasse muito da história. Ao juntar estes três pontos, veio a minha mente, de supetão, São Bernardo, do Graciliano Ramos. Quando o li pela primeira vez, gostei bastante e me senti envolvido pela história, envolvido pelos sentimentos do Paulo Honório e pela jornada de ascensão e queda do fazendeiro. Hoje, relendo após 10 anos, percebo novas camadas na obra e, certamente, há mais camadas que ainda me são intocadas. 

São Bernardo foi publicado pelo Graciliano Ramos em 1934. Foi uma obra que rendeu importante projeção ao escritor. A história é ambientada em Viçosa, interior de Alagoas, local tomado pela pobreza, fome e exploração do trabalho. Um ambiente comandado por coronéis que controlam os movimentos políticos e sociais da região. Dentro deste contexto surge um protagonista filho da pobreza que consegue, num contrafluxo, ascender socialmente. 

Resumo da obra

O Romance é narrado na primeira pessoa pelo protagonista, Paulo Honório. Este se define como um homem de 50 anos, 80 quilos, sobrancelhas cerradas, mãos grossas e calejadas pelo trabalho no campo e rosto vermelho e cabeludo. A história é contada de forma desordenada, por estar habituado a "tratar com matutos", e conta com ajuda de alguns amigos para o ajuste da escrita. 

Paulo Honório não conheceu os pais e foi criado por um cego e por uma mulher chamada Margarida, em que sobreviviam com a venda de doces produzidos pela mulher e comercializados pelo protagonista, além de diárias no trabalho com a enxada. Ao completar 18 anos, envolve-se com a Germana e acaba por matar João Fagundes, amante da mulher. Por tal crime passa 3 anos, 9 meses e 15 dias preso, aprendendo a ler nesse período por meio de bíblia. Ao sair da prisão descobre que a antiga companheira tornou-se prostituta com a fama de possuir doenças venéreas. 


Ao sair da prisão começa sua jornada de ascensão. Decide pegar 100 mil-reis emprestados com um agiota e investe no mercado local. Durante esse período conhece o Dr. Sampaio, importante fazendeiro da região, que dá um calote num negócio evolvendo gado e acredita que por meio de sua influência fará com que Paulo Honório desista da cobrança. Neste momento o protagonista arma uma emboscada contra o coronel e quita a dívida, ameaçando de morte todos os que tentarem uma retaliação.

É durante este período da vida como mercador viajante que foca sua atenção em São Bernardo, a fazenda em que trabalhou quando mais novo e que agora está nas mãos de Luís Padilha, filho do homem que concedeu seu empréstimo e antigo coronel da região. Padilha recebeu por anos investimos do pai para que se torna doutor, mas o jovem sempre uma vida mais fácil e, com a morte do pai, não seguiu com os negócios agrícolas, transformando as terras da família em um local abandonado. Paulo Honório vê tal situação como uma oportunidade, em que decide emprestar dinheiro e a amizade ao herdeiro que só tem as terras como posse. 

Ao cobrar a dívida adquirida por Luis Padilha, acaba conquistando São Bernado e logo trata de redefinir os limites de suas terras, inicialmente para recuperar o que foi roubado e posteriormente para roubar as terras daqueles que possuem menos influência, como a dos Mendonças, em que o patriarca foi misteriosamente assassinado num momento que Paulo Honório possuía um duvidoso álibi. 

Os anos passam, Paulo Honório recruta pessoas importantes para auxiliarem no seu trabalho e expande sua zona de influência e é neste momento que conhece Madalena, jovem e bela professora de 27 anos que possui alguns pensamentos destoantes ao do protagonista. Mesmo não concordado com muito do que é pensado pela jovem mulher, Paulo Honório desenvolve uma atração pela mesma e a pede em casamento, aceito após um certo período de relutância. 

O Tempo passa e Paulo Honório se torna um coronel da região, respeitado, temido, casado e pai. É nesse período que os medos e inseguranças do protagonista começaram a corroer tudo o que conquistou. Durante conversas entre os funcionários, ouve temas que considera perigosos, como o acesso à educação, melhores condições de trabalho e reforma agrária. Tais temas são endossados por sua esposa, principalmente o da educação, e isto incomoda muito o protagonista, por defender que o desejo pelo trabalho rural pode ser prejudicado pelos anos de estudo e que os mais pobres só necessitam de estudo ao ponto de terem acesso ao título de eleitor. Pouco a pouco Paulo Honório destrói as relações com os amigos e a esposa, Margarida suicida-se devido ao horror que passa a viver diante do ciúme patológico e acusações de diferentes traições que teria realizado. Alguns antigos amigos são demitidos, por serem sementes de uma possível revolução, e outros vão embora ao perceberem que tudo ali mudou. 

E assim Paulo Honório termina só. Assombrado por fantasmas do passado e acusado de seguir aquilo que tanto condenou: o comunismo. Mesmo diante da sua queda, em que ouve constantemente vozes que pensa ser sua esposa, e com constantes invasões a suas terras, em que precisa aceitar calado, já que não é mais quem detém o poder na região, vê tudo de uma forma inflexível. Sendo condenado a viver por tempo indeterminado com suas dores. 

Crítica

São Bernardo faz um retrato seco da vida rural num nordeste da primeira metade do século XX. Paulo Honório nasce na pobreza e é vítima desta, até ter a oportunidade de ascender socialmente ao perceber uma oportunidade de lucro na mesma fazenda em que foi explorado. Não surpreendentemente, o personagem principal se torna aquele que o oprimiu na juventude. 

Ao longo da obra o protagonista demonstra o seu contragosto ao versar sobre acesso à educação, em que defende que a população comum não necessita de leitura para pegar numa enxada e os conhecimentos técnicos são suficientes para a realização dos trabalhos superiores, em que se inclui dentro deste último ponto. Com o avanço da história, vê que a concessão de uma educação básica pode ser uma ferramenta para conseguir favores de determinados setores do Estado e uma forma de garantir uma população votante que possui controle dentro do sistema de voto de cabresto. 

Ao falar sobre tais temas, é impossível não retomar a questão do coronelismo. Paulo Honório torna-se um coronel da região e todos os seus desejos e pensamentos passam a servir como régua moral para os que se encontram naquela região. Ir contra o pesamento político do coronel é algo condenado de forma agressiva. A influência que possui acaba por também fazer que receba favores e vistas grossas de determinadores setores importantes da sociedade, como quado o juiz local finge não saber que São Bernardo está roubando terra de vizinhos. 

O comportamento que fez Paulo Honório crescer é o mesmo que causa sua queda. Desconfiado, passa a suspeitar das conversas dos amigos, das cartas da esposa, dos movimentos dentro da casa. O fato de não ter nenhuma prova das traições e envolvimentos com movimentos comunistas por parte destes é o que faz Paulo agir. Age demitindo amigos, cometendo violências com a esposa, negando o filho. Acaba só e mesmo diante da solidão não se arrepende de quem é, sabe que é inerente a si, mas corrói com a dor. Ao fim, vê perdendo tudo por não ter mais motivo para seguir em frente e sabe que agora é a hora dos outros coronéis tomarem tudo que conquistou, assim como um dia fez. Tal inércia do protagonista reflete o conhecimento que tinha sobre como funcionava a lei na região. A lei era o coronel, a religião era o coronel. Mandava quem tinha a faca na mão. 

São Bernardo é uma obra que certamente vale a leitura. Reler o livro me fez ter uma noção melhor do contexto histórico da obra. Na minha primeira leitura, há um pouco mais de dez anos, fui bastante atraído pela questão psicológica existente dentro do texto e hoje consegui entender a profundidade que esse fator psicológico se mistura com a máquina de poder daquela região. 

★★★★★

Trecho da Obra 

"Tive abatimentos, desejos de recuar; contornei dificuldades: muitas curvas. Acham que andei mal? A verdade é que nunca soube quais foram os meus atos bons e quais foram os maus. Fiz coisas boas que me trouxeram prejuízo; fiz coisas ruins que deram lucro. E como sempre a intenção de possuir as terras de S. Bernardo, considerei legítimas as ações que me levaram a obtê-las."