30 de out. de 2022

As Coisas que Perdemos no Fogo - Mariana Enriquez

O que pode ser mais assustador do que histórias de terror que se passam no nosso dia a dia? É com essa premissa que temos a coleção de contros da Mariana Enriquez, com o nome de As coisas que Perdemos no Fogo. 

Autora: Mariana Enriquez
Ano: 2016
Pais: Argentina

Antes de realmente começar a falar sobre a obra, preciso dizer que o que mais me motivou a comprá-lo foi o título. Eu não tinha a mínima ideia do que se tratava a história, mas este título tocou numa parte bem íntima minha. Lá para os meus 20 anos, comecei um hábito de escrever pequenas cartas com desejos e sonhos de momentos melhores, aquele era um momento bem difícil da minha vida, e, após acabar a escrita, fazia uma pequena fogueira e ficava observando o papel se desfazer até se transformar em cinzas. Fiz isto até o dia em que pensei “memórias queimadas são esquecidas”. Desde então, parei com meus rituais piromaníacos e me meti a escrever diários em blogs, acho que tudo, ao fim, me fez parar aqui. Porém, sem mais enrolações, vamos para o livro! Já que a minha história com o fogo é total desconexa com a da autora. 

As coisas que perdemos no fogo foi lançado 2016 pela argentina Mariana Enriquez. O livro se trata de uma coleção de 12 contos de terror modernos que se passam na Argentina, em diferentes contextos. Em comum, entre esses contos, há a dominância de protagonistas femininas e um tipo de terror que chamo de “terror de penumbra”, sendo aquele que levanta em nós se há algo paranormal acontecendo ou se só são criações da mente humana. Abaixo, falarei um pouco de quatro contos. 

1. O menino sujo

A protagonista escolhe, contra a vontade da família, se estabelecer em um bairro pobre da periferia de Buenos Aires. Como vizinha, há uma mulher eremita, grávida, usuária de drogas, que vive em condições de extrema pobreza e com um pequeno filho. A vida  das duas se cruza quando o garoto aparece em sua porta falando que a mãe não voltou para casa. 
Após aceitar tomar conta do garoto até que sua voltasse e, posteriormente, com o menino voltando para a mãe, inicia-se uma trama obscura que soma o desaparecimento desta criança e o surgimento de um corpo de idade compatível e com sinais de extrema violência. Diante de tal crime, surgem diversas hipóteses, como um crime realizado pelos traficantes locais ou algum tipo de ritual satânico envolvendo crianças. A partir deste momento, movida pela curiosidade e necessidade de esclarecer os fatos, a personagem principal procura a mãe do menino para explicar o que pode ter acontecido. 

2. Pablito clavó un clavito: uma evocação do Baixinho Orelhudo

Pablo é um agente de turismo que após certo tempo trabalho com o turismo arquitetônico local, recebe uma mudança de emprego: fará uma tour pelos crimes célebres da região. Entre tais crimes, encontra-se o do Baixinho Orelhudo, um cruel assassino de criança que ficou conhecido por fincar um prego na cabeça de uma das suas vítimas.
Em meio a esta mudança na rotina, que agrada o protagonista do conto, descobre-se que o homem é um jovem pai e que seu relacionamento ficou estremecido após o nascimento do filho. Junto a isso, sem conta a ninguém, Pablo começa a ter experiências de contato com o Baixinho Orelhudo, ficando obcecado pelo mesmo. Ao fim, a história do assassino, do jovem pai em adaptação  e do bebê ameaçam se cruzar. 

3. Nada de carne sobre nós

Uma mulher encontra um crânio no meio do lixo  e o leva para casa. Ao longo das semanas, o nomeia de vera, cria um vínculo  com o objeto. Questiona sua origem, revê suas ideias de vida, estética e beleza ao apreciar o esqueleto. Não demora muito para que a protagonista transforme Vera em sua musa e tenha uma ojeriza por todos que se encontram ao seu redor, iniciando pelo namorado. 
Ao fim, quando consegue se isolar de todos, a moça passa a querer atingir o nível de magreza de vera,sem nenhuma carne no corpo. Só assim, estará completa e poderá alcançar a perfeição. 

4. As coisas que perdemos no fogo 

Um dos crimes passionais mais cruéis é o ato de queimar a companheira. Caso não a mate, irá obrigá-la a carregar abertamente e para sempre as  marcas de tal crime. E é desta forma que vive a garota do metro, uma vítima de um ex-companheiro que a desfigurou e que sabe que nunca conseguirá ter sua antiga vida. A mesma vive pedindo dinheiro pelas estações e se torna famosa pela aparência e pela estratégia de, sabendo ser repugnante, forçar contato físico com os passageiros.
Ao passar do tempo, percebe-se que tais crimes com fogo estão tendo um aumento significativo. Inicialmente, procuram-se os homens que teriam, supostamente, queimado essas mulheres, mas todas negam. As vítimas afirmam que foi um processo de autoimolação e criam uma seita ao redor de tal processo. 
Algo que parece absurdo, chama a atenção de muitas outras mulheres que também querem a passar pelo processo de desfiguração. Com o desenrolar do conto, têm-se a divulgação, por parte das membras, de um manifesto, o Manifesto das Mostras. Neste, é defendido o direito das mulheres realizarem tais atos com seu corpo. Os homens não maltratam e desfiguram as mulheres há gerações? Então, a partir de agora, surgirá um novo grupo, o das monstras, o das mulheres desfiguradas que causam repulsa. Assim, talvez como uma forma de vingança, os homens serão obrigados a se relacionar com aquelas que eles pensaram ser intocáveis e estas mulheres não terão de se esconder da luz do dia. 

Minha humilde crítica 

As coisas que perdemos no fogo foi uma feliz surpresa. Os contos são bastante interessantes e trazem um terror atrelado ao cotidiano e a questão feminina, sendo estes dois pontos interessantes. O dia a dia na Argentina, nas suas diferentes nuances, ao longo dos contos, permite que o leitor viaje e conheça um pouco do país. 
A questão da mulher também é algo muito importantes, acredito que valha falar em um parágrafo à parte. Os contos possuem protagonistas femininas em sua maioria e também abordam muitas questões femininas. Ao longo do livro são discutidos temas como maternidade, compulsão alimentar, sexualidade, violência contra a mulher, saúde mental, gaslight e questões relativas à comunidade LGBTQIAP+. A questão feminina é constante no livro e, em simultâneo, a abordagem é bastante suave. Não há uma “panfletagem” dos pensamentos e estes importantes temas podem passar batidos para os mais desavisados.
Uma ligação que consegui fazer ao longo da leitura foi o do estilo do terror da Mariana Enriquez com o terror do mangaká Junji Ito. Em comum, ocorreu-me a constante interrogação sobre se aquilo que estava acontecendo era algo real ou algo da mente do mente dos personagens. Além disso, há uma mistura constante do cotidiano com o sobrenatural, tudo sem uma necessidade de explicação. Como quando, por exemplo,  em um dos contos, o namorado da protagonista desaparece em um local conhecido por sumiços sobrenaturais, diante de tal fato, a mesma segue seu caminho e ficamos sem saber se o homem partiu sem avisar ou se algo de outro plano agiu no seu sumiço. 
Indico a leitura! 

23 de out. de 2022

A Morte de Ivan Ilitch - Liev Tolstói

Olá! Como vão? Já faz tanto tempo que estive aqui… Nem sei se lembro mais como se faz para postar um texto. Bem, ao longo dos últimos dois meses, estive bem corrido com meu trabalho e tentei conciliar este com o meu preparatório para a prova de residência médica. Por conta disto, dei uma pausa nas leituras e a biblioteca acabou sofrendo com isto, mas o tempo de espera finalmente acabou! Voltei. Vamos lá? 

Na hora de retomar minhas leituras, ponderei recomeçar com algo bem rápido. Para isto, olhei para a minha pilha imensa de livros e mirei nos mais curtinhos e, sem muita enrolação, acabei pegando A Morte de Ivan Ilitch, do Tolstoi.

A morte de Ivan Ilitch foi escrito em 1886 pelo russo Liev Tolstói. Algo que não é spoiler nenhum na obra é que o livro fala sobre a morte do protagonista, o Ivan Ilitch. Iniciamos a leitura com a morte do mesmo e as visões e pesamentos sobre como será agora que após a morte do jurista.